A arte e o quase nada

Naqueles tempos, era diferente. Eu gritava para dentro e oferecia o silêncio como única forma de manter os laços. E então me repetia todos os dias que aquele era apenas um vento forte de passagem, capaz de bagunçar os versos, mas jamais destruir a poesia. Eu imaginava que o soneto apenas ganharia ares concretistas, mas que os símbolos permaneceriam com as formas de outrora. E, assim, nós continuaríamos a consumir tudo o que representasse um pouco de nós a fim de formar um todo que, embora inconstante, não nos deixasse esquecer das inúmeras vivências traduzidas em entrelinhas alheias que tomamos como nossas. Mas o sól subiu ameno, a voz ficou rouca, e eu vi afetos serem banalizados entre uma e outra nota musical. E então eu entendi cada palavra que o mexicano falava sobre o belo e a arte. Ao mesmo tempo, sorri por entender a tempo a quantidade de coisas que dinamizam nossas vidas e por ver que a arte não poderia mesmo ser tudo, é preciso muito mais.

Utopia

E os sonhos, que pareciam estar se reconstruindo delicadamente, se esvairam nas calçadas. As diferenças e as tristezas não justificam aquele barulho todo na madrugada gélida. A boa vontade e a falta dela se tornaram cúmplices e saíram abraçadas, disseminando a mediocridade humana. Agora, é hora daquele ser aparentemente frágil entrar em cena e transformar a multidão.

Agora, do meu jeito.

Dessa vez não teve jeito. O computador queimou, e aquela fumacinha saindo do estabilizador desenhava um vácuo na minha noite morna. Pensei em tomar um café e abrir pela centésima vez a página 172 do livro de sempre. Aquela que fala do “sempre sob o sol” e do “insistir no carnaval”. Mas especialmente hoje eu não me sinto à vontade com as palavras, muito menos com aquelas cuspidas por um Caetano exageradamente leonino. Cansei do orgulho. Cansei do egoísmo. Cansei dos olhares sobre mim, ansiosos, esperando para ver algo que não quero mostrar. Dessa vez, eu prefiro reinventar as imagens sem nenhum programa computadorizado capaz de destruir as minhas verdades em um ou dois cliques. Eu prefiro sentar na areia e observar uma lua minguante, ouvindo a voz de Iracema ecoar entre uma e outra nuvem que quebra aos meus pés. Eu quero a praia pura, desnuda das simbologias de outrora. Eu quero reinventar a vida, o mundo. Do meu jeito torto, com os meus cortes e os elementos importantes bem visíveis na diagonal.